Dia do Pantanal: como os incêndios afetam a água e a quantidade de peixes na região

Em entrevista à Fish TV, professor de ictiologia Thomaz Lipparelli fala sobre os impactos ambientais provocados pelas chamas que atingem o bioma.

Por Joyce Heurich - 14/11/2020 em Notícias / Meio Ambiente

Na última quinta-feira, dia 12, foi comemorado o Dia Nacional do Pantanal. Considerado a maior área úmida em extensão na América do Sul, o bioma é reconhecido, entre outras características, por sua diversidade de formas aquáticas e semiaquáticas. Por lá, já foram identificadas mais de 300 espécies de peixes. Desde julho, no entanto, esse tesouro brasileiro tem convivido com incêndios fora de controle, que colocam em risco a abundância da fauna na região Centro-Oeste do país. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, o número de focos de calor registrados no bioma pantaneiro em 2020 já é o maior acumulado anual desde 1998. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)


Em entrevista à Fish TV, o professor de ictiologia Thomaz Lipparelli, especialista em biologia da reprodução de peixes neotropicais, explica como as queimadas podem afetar a qualidade da água dos rios e a reprodução dos peixes, além de provocar o aumento da mortandade desses animais. Confira.

 

Fish TV - De que forma os incêndios no Pantanal podem interferir na qualidade da água dos rios que cortam o bioma?

Lipparelli - O que vai acontecer é uma alteração físico-química da água. Com o solo descoberto, bateu a chuva, o sedimento vai ser carregado para a água, aumentando a sedimentação. O rio torna-se mais raso, isso muda a temperatura da água, e vai comprometer a fertilização dos ovos. Com o aumento da temperatura, altera o PH, cai o oxigênio, sais minerais alteram, e isso afeta os ovos, afeta as larvas, daqueles peixes que são residentes. Com a seca, muitos peixes residentes sequer vão desovar, eles vão reabsorver os seus ovócitos porque as condições não são ideais. É uma estratégia de proteção da espécie.

 

Fish TV - E em relação aos peixes migradores [que sobem os rios para se reproduzirem]? Como eles podem ser afetados?

Lipparelli - Quanto aos migradores, é um pouco mais complexo. Os peixes migram buscando suas áreas de nascimento. Quando eles estão subindo, uma série de gatilhos hormonais se manifestam, que são hormônios que aparecem no sangue e fazem com que haja, por exemplo, um momento exato de produzir os ovos. Lá na frente, na metade da viagem, sai outro gatilho que fala para ele: ‘Agora é hora de amadurecer os ovos’. Naquele momento em que ele está migrando, quando chega ao local de desova, ele recebe estímulos, a fêmea ovada se encontra com o macho, e ocorre a fecundação externa. Isso em condições normais. Agora, temos seca intensa. Isso vai fazer com que peixes migradores tenham dificuldade para se movimentar porque as condições da água estão diferentes. Mas eles estão subindo. Até que chegam a uma área praticamente destruída, que era o local onde encontrariam o gatilho, esse gatilho não vai acontecer. Os migradores não vão chegar no local, vão dar meia volta e vão voltar.

 

Fish TV - Quando essa queda na produção pesqueira poderá ser sentida?

Lipparelli - A queda na produção pesqueira só vai ser sentida pelo pescador em 2021, 2022, 2023. Porque daqui a três anos o peixe que seria adulto, que cairia na linha do pescador profissional ou amador, não vai cair. Os efeitos imediatos não serão percebidos.

 

Fish TV - Além de afetar a reprodução, os incêndios podem contribuir para a mortandade de peixes? Como?

Lipparelli - Os residentes da área onde ocorreu a maior incidência de incêndios, esses peixes vão morrer na “dequada” [fenômeno natural de mortandade de peixes], que é o momento em que cai de forma muito rápida o oxigênio da água e aumenta de forma muito rápida a temperatura da água. E o pior de tudo: a chuva vai carregar sedimento repleto de cinza, e essa cinza tem componentes químicos altamente tóxicos, e esses elementos vão cair na água e matar o peixe por insuficiência respiratória. Você vai ver peixe com a boca aberta, peixes grandes, pintado, curimbatá, que comem sedimentos no fundo, eles vão vir para a superfície tentando absorver oxigênio do ar porque a água não oferece mais. Em dezembro, começam chuvas suficientes. Vai ter efeito em janeiro, fevereiro e começo de março, vamos ter um processo de “dequada” que vai ser um dos maiores que nós já vimos nos últimos 30, 40 anos.

 

Fish TV - Qual a previsão de recuperação desse bioma?

Lipparelli - O Pantanal é um bioma praticamente degradado agora e de difícil recuperação. Alguns falam em 50, outros em 60 anos. Eu sou mais pessimista, eu diria 200 anos. Nós como membros da sociedade civil estamos preocupados com o impacto em relação à fauna e à flora, que foram dizimadas, milhares de espécies mortas. A imagem do bioma verdinho, não representa nada. Os espaços naturais vão ser ocupados pelas gramíneas [exóticas] introduzidas pelo homem para a pastagem. Você vai sobrevoar o Pantanal e vai ver o pasto verde, mas do ponto de vista ecológico isso está seriamente afetado, não é algo visível a olho nu.

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