Na
última quinta-feira, dia 12, foi comemorado o Dia Nacional do Pantanal.
Considerado a maior área úmida em extensão na América do Sul, o bioma é
reconhecido, entre outras características, por sua diversidade de formas
aquáticas e semiaquáticas. Por lá, já foram identificadas mais de 300 espécies
de peixes. Desde julho, no entanto, esse tesouro brasileiro tem convivido com
incêndios fora de controle, que colocam em risco a abundância da fauna na
região Centro-Oeste do país. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, o
número de focos de calor registrados no bioma pantaneiro em 2020 já é o maior
acumulado anual desde 1998. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em entrevista à Fish TV, o professor de ictiologia Thomaz Lipparelli,
especialista em biologia da reprodução de peixes neotropicais, explica como as
queimadas podem afetar a qualidade da água dos rios e a reprodução dos peixes,
além de provocar o aumento da mortandade desses animais. Confira.
Fish
TV - De que forma os incêndios no Pantanal podem
interferir na qualidade da água dos rios que cortam o bioma?
Lipparelli
- O
que vai acontecer é uma alteração físico-química da água. Com o solo
descoberto, bateu a chuva, o sedimento vai ser carregado para a água,
aumentando a sedimentação. O rio torna-se mais raso, isso muda a temperatura da
água, e vai comprometer a fertilização dos ovos. Com o aumento da temperatura,
altera o PH, cai o oxigênio, sais minerais alteram, e isso afeta os ovos, afeta
as larvas, daqueles peixes que são residentes. Com a seca, muitos peixes
residentes sequer vão desovar, eles vão reabsorver os seus ovócitos porque as
condições não são ideais. É uma estratégia de proteção da espécie.
Fish
TV - E em relação aos peixes migradores [que sobem os
rios para se reproduzirem]? Como eles podem ser afetados?
Lipparelli
- Quanto
aos migradores, é um pouco mais complexo. Os peixes migram buscando suas áreas
de nascimento. Quando eles estão subindo, uma série de gatilhos hormonais se
manifestam, que são hormônios que aparecem no sangue e fazem com que haja, por
exemplo, um momento exato de produzir os ovos. Lá na frente, na metade da
viagem, sai outro gatilho que fala para ele: ‘Agora é hora de amadurecer os
ovos’. Naquele momento em que ele está migrando, quando chega ao local de
desova, ele recebe estímulos, a fêmea ovada se encontra com o macho, e ocorre a
fecundação externa. Isso em condições normais. Agora, temos seca intensa. Isso
vai fazer com que peixes migradores tenham dificuldade para se movimentar
porque as condições da água estão diferentes. Mas eles estão subindo. Até que
chegam a uma área praticamente destruída, que era o local onde encontrariam o
gatilho, esse gatilho não vai acontecer. Os migradores não vão chegar no local,
vão dar meia volta e vão voltar.
Fish
TV - Quando essa queda na produção pesqueira poderá ser
sentida?
Lipparelli
- A
queda na produção pesqueira só vai ser sentida pelo pescador em 2021, 2022,
2023. Porque daqui a três anos o peixe que seria adulto, que cairia na linha do
pescador profissional ou amador, não vai cair. Os efeitos imediatos não serão
percebidos.
Fish
TV - Além de afetar a reprodução, os incêndios podem
contribuir para a mortandade de peixes? Como?
Lipparelli
- Os
residentes da área onde ocorreu a maior incidência de incêndios, esses peixes
vão morrer na “dequada” [fenômeno natural de mortandade de peixes], que
é o momento em que cai de forma muito rápida o oxigênio da água e aumenta de
forma muito rápida a temperatura da água. E o pior de tudo: a chuva vai
carregar sedimento repleto de cinza, e essa cinza tem componentes químicos
altamente tóxicos, e esses elementos vão cair na água e matar o peixe por
insuficiência respiratória. Você vai ver peixe com a boca aberta, peixes
grandes, pintado, curimbatá, que comem sedimentos no fundo, eles vão vir para a
superfície tentando absorver oxigênio do ar porque a água não oferece mais. Em
dezembro, começam chuvas suficientes. Vai ter efeito em janeiro, fevereiro e
começo de março, vamos ter um processo de “dequada” que vai ser um dos maiores
que nós já vimos nos últimos 30, 40 anos.
Fish
TV - Qual a previsão de recuperação desse bioma?
Lipparelli - O Pantanal é um bioma praticamente
degradado agora e de difícil recuperação. Alguns falam em 50, outros em 60
anos. Eu sou mais pessimista, eu diria 200 anos. Nós como membros da sociedade
civil estamos preocupados com o impacto em relação à fauna e à flora, que foram
dizimadas, milhares de espécies mortas. A imagem do bioma verdinho, não
representa nada. Os espaços naturais vão ser ocupados pelas gramíneas [exóticas]
introduzidas pelo homem para a pastagem. Você vai sobrevoar o Pantanal e vai
ver o pasto verde, mas do ponto de vista ecológico isso está seriamente
afetado, não é algo visível a olho nu.
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