Talvez você já tenha presenciado, ao longo de uma caminhada
pela praia, algumas espécies de animais mortos, sejam peixes ou não, e fica sem
entender como foram parar ali. A resposta está no termo em inglês bycatch, que
aqui é chamado de fauna acompanhante ou captura incidental, que são aqueles
animais que não possuem interesse econômico, mas, mesmo assim, acabam pegos em
pescarias extrativistas, sejam em redes ou espinhéis, e que são descartados sem
receberem cuidados.
Para compreender melhor o assunto, a equipe de Jornalismo da
Fish TV conversou com Matheus Freitas, que é coordenador de pesquisa do
Instituto Meros. A seguir, você lê a entrevista completa:
Fish TV - Como o
Brasil lida com o problema do bycatch?
Freitas - As legislações brasileiras sobre as capturas
incidentais, o bycatch, elas estão focadas em pescaria de espinhel e
superfície, incentivando o uso de dispositivos de redução de captura de aves
marinhas, que são fitas plásticas colocadas nos barcos, evitando que albatrozes
e petréis peguem os anzóis iscados com peixes. Para arrasto de fundo ainda não
existem legislações específicas, mas é um assunto que está em discussão, para
que também sejam adotados dispositivos que reduzam as capturas incidentais.
Fish TV - Como
identificar que uma região está elevando o descarte da fauna acompanhante?
Freitas – A identificação de uma região, para saber se
sofre aumento ou não do descarte de fauna acompanhante, é bem complexo. Um
sinal comum é vermos peixes mortos na praia, que são oriundos da pesca de
arrasto de fundo voltada para camarões. O ideal é que, principalmente em barcos
da frota industrial, se tenham observadores de bordo para fazer o registro do
que está sendo liberado e do que está sendo processado pela indústria.
Fish TV - Quais
são as espécies brasileiras que mais sofrem com o bycatch?
Freitas – Para saber quais espécies são as mais
afetadas pelo bycatch, é uma informação que varia muito de acordo com o tipo de
pescaria. Na pesca de espinhel de superfície, são as tartarugas marinhas e as
aves marinhas, além de outras espécies de peixes que não são alvo, com
espinhéis capturando até mesmo tubarões. Se pensarmos em redes de emalhe, que
são muito comuns em regiões costeiras, se percebem muitos problemas com
capturas incidentais de tartarugas marinhas, golfinhos, toninhas e outros
peixes. Nas pescarias de arrasto de fundo, para cada quilo de camarão
capturado, você tem em média de três a cinco quilos de fauna acompanhante, além
de um problema sério com as raias, pois espécies de fundo tendem a ser mais vulneráveis
ao bycatch.
Fish TV - Quais
são os impactos diretos sofridos pelo meio ambiente com essa prática?
Freitas – Os impactos diretos estão relacionados a uma
grande redução populacional. Diversas espécies que são alvo de bycatch, como as
tartarugas, albatrozes, golfinhos, têm uma redução drástica em suas populações.
No caso de tubarões e outras espécies topo de cadeia, pode desencadear em um
sério desequilíbrio ecológico nas teias tróficas, desregulando toda a cadeira
do ambiente marinho. No caso da pesca de arrasto de fundo, há ainda um sério
problema que é a destruição de habitats, pois o arrasto praticamente limpa o
fundo por onde passa, e temos verificado que estão indo cada vez mais fundo,
passando em regiões de corais de profundidade que são muito sensíveis.
Fish TV - Existem
iniciativas nacionais de enfrentamento ao problema?
Freitas – Diversos pesquisadores têm trabalhado
tentando solucionar esse problema do bycatch. Algumas iniciativas já foram
testadas no Brasil, mostrando que a utilização de dispositivos chamados BRD são
muito efetivos para a redução de fauna acompanhante. No Paraná hoje existe um
projeto tocado pelo Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná,
junto com outros parceiros, que estão testando e mostrando aos pescadores a
eficiência de se utilizar dispositivos de redução de captura, que são
basicamente grades colocadas nas redes de arrasto de fundo, fazendo um filtro
de peixes, raias e outros organismos que não são alvo da pescaria, reduzindo
significativamente a quantidade. Esse é um tema que cada vez ganha mais espaço
na ciência e na pesca comercial brasileira.
Fish TV – O bycatch
também acontece na pesca esportiva?
Freitas – É algo pouco documentado, mas existe. Imagine
um pescador que busca por uma traíra e se depara com um cágado ou tartaruga de
água doce no anzol. Esse é um exemplo de bycatch. Nesses casos, o importante é
saber manusear o animal para poder liberá-lo sem problemas. Outro caso comum em
água doce é quando um muçum ataca a isca, porque embola toda a linha, também
acontece com moreias no mar. No Pantanal, existem casos de jacarés que entram
na linha. Pra isso, quanto mais rápido você liberar o animal, melhor, reduzindo
a mortalidade dessas espécies que não são o alvo da sua pescaria.
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