Pele de tilápia é usada no tratamento de queimaduras de animais resgatados no Pantanal

Técnica desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará está sendo testada em animais silvestres pela primeira vez

Por Joyce Heurich - 19/10/2020 em Notícias / Aquicultura - atualizado em 20/10/2020 as 14:02

Animais resgatados dos incêndios no Pantanal começaram a ser tratados com pele de tilápia. A técnica, descoberta por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), consiste em usar o couro do peixe para acelerar a cicatrização de queimaduras. Pela primeira vez, o método está sendo testado em bichos silvestres.

 

No início de outubro, parte do grupo viajou a Cuiabá para ensinar o procedimento aos profissionais que atuam no Hospital Veterinário da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). O hospital tem recebido e tratado casos graves de animais feridos por conta das queimadas que atingem o bioma pantaneiro. 

 

“É um curativo muito rico em colágeno, e esse colágeno vai se incorporando ao corpo do animal durante a cicatrização. A pele da tilápia é impermeável, o que evita que o animal perca líquido e cria uma barreira física contra a entrada de microorganismos na lesão”, detalha o biólogo Felipe Rocha, professor integrante do grupo de estudos da UFC, que coordenou a equipe durante a missão. 

 

A viagem foi viabilizada a partir de um contato feito com a ONG Ampara Silvestre, que há dois meses atua no Pantanal. “Muitos focos de incêndio, muitos animais morrendo queimados, desorientados, procurando comida”, conta a vice-presidente da ONG, Marcele Becker. “O projeto nos foi apresentado e toda ajuda é bem-vinda”, acrescenta.

 

Em Cuiabá, os pesquisadores aplicaram curativos com pele de tilápia em um veado-catingueiro, duas antas adultas, uma anta filhote, um tamanduá-bandeira e uma cobra-sucuri. No total, 130 unidades, de 13cm x 20cm cada, foram doadas à UFMT. O objetivo é facilitar o trabalho dos veterinários. “O tratamento convencional de queimaduras é com pomadas. O problema é que todo dia tem que fazer um curativo. Na pele da tilápia, coloca-se o curativo, e você só vai trocar quando o colágeno for absorvido, vai durar de 10 a 12 dias”, compara o biólogo.



 

Esse novo tipo de tratamento é resultado de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida desde 2015 pela universidade cearense. Nos últimos anos, ele foi amplamente testado em humanos e animais domésticos. Recentemente, o material foi enviado ao Líbano para tratar vítimas da explosão em Beirute. O produto, no entanto, ainda é considerado experimental, por não possuir registro junto à Anvisa.

 

Biomaterial vem da piscicultura

 

A piscicultura vem ganhando força no país a cada ano. Dados divulgados na última semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam um avanço de 1,7% na criação de peixes em cativeiro em 2019: mais de 500 mil toneladas foram produzidas.

 

E é da piscicultura que vem a pele da tilápia utilizada para pesquisa. O biomaterial é doado por uma empresa do Ceará que comercializa filés dessa espécie de peixe. Na universidade, a pele, descartada pela indústria, é aproveitada. “Fazemos a descontaminação, mantendo as propriedades biológicas do material”, explica o biólogo Felipe.

 

De acordo com a Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), o Brasil é o quarto maior produtor mundial de tilápia, espécie que representa quase 60% da produção do país. Para o presidente da Peixe BR, Francisco Medeiros, o setor só tem a ganhar com a ação capitaneada pela universidade do Ceará, que traz avanços importantes. “A piscicultura, que tem um compromisso com a alimentação das pessoas, com um alimento de boa qualidade, agora também oferece um produto de baixo custo, de excelente resultado, não só para humanos, mas para animais silvestres, demonstrando que é sustentável a produção de tilápias no Brasil”, destaca.

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